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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O Quintal Cultural invade o Jardim Alagoas

No último dia 27-10-10 a equipe do Quintal Cultural invade o Jardim Alagoas para uma oficina de movimento comunitário tema escolhido pelo o grupo e que por coincidência, era o que a comunidade tava querendo então nos articulamos e a oficina fui um sucesso.

Na oficina teve como ponto principal "dialogar sobre as ações do movimento comunitário e a identidade alagoana" fazendo relação com o empoderamento do movimento popular.

Como sempre, utilizamos para começar uma roda de conversa, que Freire chamava de círculo de cultura, exercícios teatro do oprimido pois consideramos que, especialmente para jovens é mais atrativo pela dinâmica, em seguida alongamento, aquecimento e leitura do texto Manifesto Sururu do Doutor Edson Bezerra, texto poético e sociológico que denuncia um apartaid social entre ricos e pobres e faz uma emocionante defesa da identidade alagoana que nasce na margem da Beira da Lagoa Mundaú.

Depois da leitura do Manifesto realizamos um debate com o tema Tia Marcelina, personagem do texto Manifesto Sururu que sofreu repressão por ser mãe de santo do candomblé, ela foi assassinada.


Foram distribuídas pastas com programação e o texto do manifesto.

Utilizamos no primeiro momento uma área da casa da senhora Rejane e depois invadimos a praça com dinâmicas de grupo, atividades circulares. A maior facilidade é a participação comunitária, a dificuldade nesse foi o tema que causou impacto. A cultura popular e afro-alagoana tem um papel de extrema importância para a construção de uma nova força política na cidade de Maceió que nasce com um outra olhar com o texto do manifesto sururu e da constituição de uma nova estética reascendendo dos guetos a cultura alagoana que vem com força das margens.

Rogério Dias


Texto Manifesto Sururu logo abaixo:

Manifesto Sururu

Para Tia Marcelina , Tia Creusa, Maria Lúcia , Dirceu Lindoso e Mestre Sávio de Almeida.

O Manifesto Sururu quer muito pouco. Quem sabe um pouco mais do que exercitar um certo olhar: um olhar atento por sobre as coisas alagoanas. O Manifesto Sururu não quer apostar e nem pousar em outras imagens. O que ele procura é exercitar olhos e sentidos por sobre (e dentre) antigas e permanentes imagens das coisas alagoanas: olhar primeiramente os canais que interligam as lagoas e os rios. O Manifesto Sururu também fala da fome. Não da fome comum, mas da fome de devorar as Alagoas. Contra as derrapagens de uma modernidade vazia , uma outra assinalada de coisas alagoanas. Novas rotas. Rotas alagoanas: de canais e lagoas, sobretudo.O Manifesto Sururu não está sozinho. O sururu, ele mesmo é o alimento e a caloria de milhares de vidas. O sururu é vida .

O sururu, ele mesmo é o alimento e a caloria de milhares de vidas. O sururu é vida.

Manifesto Sururu: mistura e associação de moluscos, peixes, águas, negros, cafusos, morenos e de todas as mestiçagens possíveis das gentes alagoanas. Manifesto Sururu: do vale do Mundaú para onde houver lagoas.

Suas heranças são imagens, suas comidas e seus pais ancestrais. Assim: Calabar é nosso e, sobretudo, Zumbi dos Palmares: migrantes deslocados da colônia central Penso em imagens alagoanas: o olhar a cidade de nossos mirantes. Os mirantes são os nossos planetários . Dos mirantes se avista a lagoa, o céu e o mar. Dos mirantes: ali poderíamos comer além de tapioca e beiju, outras coisas das tribos ancestrais. Penso em imagens alagoanas. Penso que uma delas é a Mestra Ilda do Coco tomando (no mínimo) caldinho de sururu na beira da Mundaú, .Penso em uma outra: a do Major Bonifácio melado de lama e dançando carnaval na rota Bebedouro-Martírios. Ele, o major, bem que poderia ter também dançado capoeira .uma outra seria pensar a Tia Marcelina como se ela fosse Nossa Senhora dos Prazeres .

No fundo somos gente-sururu e por isso trazemos nos olhos as imagens de todas as águas.das águas do mar e do somatório das dezenas de lagoas, rios e olhos d’água espalhados nas periferias da cidade.Octávio Brandão: Mundaú: rio dos negros. São Francisco: rio dos brancos. Que vivam as lagoas todas: as vivas e as mortas. Somos filhos do barro, nascemos entre os batuques dos negros e da mistura da lama.Por isso: que estória é essa de Terra dos Marechais?

Somos ainda a derradeira sobrevivência (e isso é fantástico) do extermínio do povo Caeté. Em nossa veia, além do povo caeté, pulsa sangue negro. Os brancos nos trouxeram a mistura e (também) a morte.De todo modo, mestiços de índios, negros e brancos, estamos vivos O Manifesto sururu está atento aos batuques noturnos dos terreiros periféricos fora de rota e também dos milhares de capoeiras espalhados.

O Manifesto Sururu se alegra com a folia dos meninos de rua, com os guerreiros e com as tradições alimentadas pelos povos periféricos.

Cúmplices da modernidade, temos o barro e a lama debaixo dos edifícios e dos asfaltos das ruas.

Somos filhos de uma cidade restinga .

Os nossos edifícios (assim como a nossa modernidade) foram construídos sobre os terreiros dos negros e das moradas dos pobres. A nossa modernidade foi construída sobre os aterros dos manguezais e do massapé e é por isso que às vezes ainda sentimos cócegas nos pés: são eles, os caranguejos e as lamas .

Sobre os aterros, se instalaram os movimentos dos negros, seus batuques e danças. Guardamos então muitas saudades.

Por uma nova cartografia: redesenhar roteiros visíveis, remarcar datas e re-escrever novas geografias .

Manifesto Sururu: Simulações sem simulacros.

Que por dentre as cenas das antenas parabólicas, outras cenas de imagens periféricas.

Por uma reinvenção da cidade e celebração pública da memória dos nossos proscritos. E por falar nisso:

Viva Calabar!!!!

Além de toda ancestralidade, o erotismo do coco e dos fragmentos de nossas raízes periféricas.

Os nossos terreiros são nossas academias: sementes de ritos e lugares de celebrações e festas. Viva todas as alegrias. Viva o terreiro de Mestre Felix e de todos os mestres.

Saudades daqueles tempos. Antes do Quebra de 1912 o batuque era bem maior .

Temos muitas dívidas: para com a morte de Tia Marcelina, por exemplo.

E temos muitas outras. Uma delas é a seguinte: a Praça 13 de Maio deveria ficar na praça dos Martírios e a estátua do negro Zumbi no lugar da Marechal. Faríamos assim muitas festas e celebraríamos com os batuques o sincretismo de nossas mestiçagens. Quem sabe então ele, Zumbi, não rezaria uma missa pra depois dançar xangô?

Nós repudiamos o etnocídio e proclamamos todos a uma grande alegria.

Viva a alegria de todas as festas. Quem antecedeu os marechais foi Zumbi e antes dele, Calabar . Viva a subversão e a liberdade.

Entre os nossos pobres, os pobres específicos, aqueles que sobreviveram a maleita e a fome estiveram desde sempre os cantadores de coco, de toada, de forró, das rodas de samba, os repentistas, os criadores do martelo alagoano, os capoeiras, os macumbeiros e mandingueiros. Em suma: as nossas almas inspiradoras.

Das lagoas. Também elas invadiram e invadem o mundo das imagens: de Guilherme Roggato a Celso Brandão .

As palavras-mundo de Jorge de Lima e Ledo Ivo são roteiros cinematográficos de um imaginário alagoano.

Do somatório de todas as águas: as águas do mar que invadiram a todos.

Dos olhos- d’água e do cheiro de maresia contra o cheiro agridoce das canas. Maresia alagoana: ela contaminou a todos: dos pisantes das terras alagoanas, dos índios e negros, brancos e holandeses e até mesmo aos piratas franceses.

...e sobretudo do cheiro do sururu tirado fresquinho da lama: alimento dos negros e pobres. Imagem segura e maternidade de nossas imagens mães.

Assim, Mestra Ilda também é Zumbi e Mestre Zumba também.

Além de sentimentais, somos anfíbios, quer se queira quer não.

Quem ainda não provou do sururu, tomou banho de lagoa, é aleijado dos olhos e cego no corpo .

Viva Deodato, outro negro artista .

Sururu: ao redor dele, os bairros e os povoados se amontoaram e se enredaram: Ponta Grossa, Levada, Pontal, Bebedouro e Rio Novo . Todos filhos das águas.

O sururu então, mais dos que os homens, inventou e recriou as nossas geografias: as cartografias de nossa primitividade. Ali naqueles espaços embrenhados dançava-se macumba, fumava-se liamba, cantava-se o coco e se recriava um mundo: o mundo alagoano . Como isto foi possível?

Na busca do sururu, os homens pobres desenharam ruas.

Sururu: espaços coletivos, maternidade e memória. Nascedouro e rotas de outros espaços geográficos. Espaços de uma memória possível.

Viva Jorge de Lima e Celso Brandão que filmou o “Cata Sururu”.

Levada. Alguém lembra que ali havia um porto?

Alagoas não foi feita (somente) pra turista ver.

Pra turista ver e olhar o mar .

No além-mar, pensar não outras terras. No além-mar pensar nossos interiores. Lagoas interiorizadas . Pra turista ver também. E que ele venha, e já que comemos o bispo Sardinha, o comeremos também, mas antes disso ensinar ele a tomar banho de lagoa e comer caranguejo uça com as mãos. Aliás, com todo estrangeiro deveria ser assim .

Turismo primitivo: a Bica da Pedra, o banho no Cardoso, o Catolé . Lugares de luz com águas frescas e claras.

O bar das Ostras .

Os portos de Bebedouro e de Santa Luzia do Norte, alguém lembra?

"Sururulândia ": Esta é nossa riqueza e desde sempre memória.

Mas aconteceu que Maceió fugiu da Mundaú. Pensou que a lama e os caranguejos e os homens-caranguejos iam engolir ela !!!!

A nossa aristocracia, com medo e nojo fugiu do barro, e fugiriam também da zoadas dos batuques, dos cocos e das macumbas e foram morar lá na banda das praias: Pajuçara, Ponta Verde e Jatiúca. E naquelas praias, há pouco desertas, no lugar dos casebres e casas de paus a pique, foram montados os edifícios e as luminárias elegantes da cidade.

E as águas do mar são diferentes das águas da lagoa.

A gente sururu então ficou sozinha.

Formou-se deste então duas gentes: a gente sururu e o povo rico da cana.

De um certo modo, ao gosto do sururu, se somou o cheiro da cana. Alagoas então é de todo um pouco de cada pedaço.

Mas, ao contrário da maternidade dos mariscos, os capins da cana se tornaram baionetas retocadas de sangue.

Na verdade, a cana nunca foi doce. Zumbi e os negros já desde sempre sabiam O sururu também não é doce. Mas entre o doce e o salgado, e somado às mestiçagens das cantigas e do somatório das estórias todas, ele foi dando alma e corpo às gentes alagoanas .

Por isso, é uma pena que o Farol não derrame sua luz na Mundaú.

O Farol nunca iluminou as lagoas. Nas lagoas não navegam os navios. Mas, afinal o que trazem os navios? Nas lagoas apenas navegam os peixes, os homens e os mariscos

adormecidos e preguiçosos: o bagre, o mandim, o siri, o caranguejo e o sururu enfiado na lama .

Mas, afinal, se toda festa tem um tempo, qual o tempo sururu?

Sururu, cultura oral sururu. Sinestesias: pureza aberta e sem perigo. Sinestesias: um dia um branco tomou caldo de sururu e ficou doido. Sururu: comida dos pobres:

“Nossa miséria é a nossa riqueza” .

Que ressuscitemos todas as histórias

E que no banquete das mestiçagens periféricas

E na festa de todos os povos ressurgentes

Morram colonizadores e colonizados .

E que por dentre o barro e cheiro da lama

E no somatório de todas as imagens, a Mundaú central,

E nela a gente sururu seja imensa

Feito um oceano sem margens .

No somatório de todas as águas.

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